RIO - A menos de um mês do aniversário de 20 anos da criação da Lei de Cotas (lei nº 8.213) para pessoas com deficiência, a empregabilidade entre o grupo está longe de ser um assunto tratado com naturalidade pelas organizações. Não são poucas as companhias que ainda preferem pagar multa do que ter profissionais com algum problema físico em seus quadros. E as que optam por respeitar a cota alegam que cumpri-la não é tarefa fácil. O maior problema é a falta de mão de obra qualificada, reclamam gerentes de recursos humanos.
Do outro lado da discussão, especialistas alegam que a maioria das companhias ainda não está preparada para adaptar pessoas com deficiência à sua cultura. Para piorar, muitas se limitam a abrir vagas apenas em níveis operacionais, onde a rotatividade é maior. O resultado, segundo pesquisa da Page PCD, divisão da consultoria Michael Page, é que 82% dos funcionários com deficiência estão insatisfeitos em suas atuais posições. Realizado com 243 pessoas com mais de 10 anos de experiência, o levantamento revela, ainda, que metade dos entrevistados planeja mudar de emprego nos próximos dois anos.
- As empresas não sabem, mas existe qualificação nesse mercado. Cerca de 51% dos participantes têm ensino superior e 19%, pós-graduação. O problema é que os gestores só olham para a deficiência e não para o potencial, o que restringe as chances de crescimento - explica Danilo Castro, diretor da Page PCD.
Prova disso é que, apesar do alto nível de escolaridade, 36% dos entrevistados ainda não foram promovidos. A maioria (58%) atua como auxiliar administrativo, contra só 14% que ocupam cargos de supervisão ou gerência.
- As empresas ainda não conseguiram enxergar esses profissionais como pessoas capazes de galgar posições na companhia. A maioria das organizações se preocupa apenas em cumprir a cota, sem focar na qualificação dessa mão de obra ou em iniciativas que poderiam melhorar seu desempenho - diz Castro.
Apesar dos problemas, o balanço de 20 anos da norma - que entrou em vigor no dia 24 de julho de 1991 - é positivo. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), 7.508 pessoas com algum tipo de deficiência foram inseridas no mercado nos três primeiros meses deste ano, o que representa um crescimento de 40,7% em relação ao primeiro trimestre de 2010, quando 5.338 trabalhadores foram incluídos. A lei estabelece um percentual de profissionais com deficiência de acordo com o total de funcionários da empresa e multa para o descumprimento.
Funcionário de informática da Michelin, o analista de sistemas Pedro Fuenzalida, de 33 anos - cadeirante desde que levou um tiro num assalto - não só trabalha em sua área como também vislumbra oportunidades de crescimento dentro da empresa. Mas sabe que é uma exceção diante de um mercado que costuma nivelar por baixo:
- Quando entrei, há seis anos, a preocupação com o assunto não era tão grande. Devo ter sido um dos primeiros cadeirantes da empresa. Hoje a companhia não só está enquadrada como também está atenta à questão da diversidade - diz Fuenzalida, que tem duas pós no currículo.
Apesar de as estatísticas mostrarem que o número de contratações vem aumentando do ano passado para cá, a média nacional de cumprimento da lei é de apenas 21,4%. Ou seja: de cada dez vagas que o país deveria destinar a pessoas com deficiência, apenas duas são efetivamente preenchidas.
Os dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), funcionam como um estímulo a mais para o Instituto Brasileiro dos Direitos das Pessoas com Deficiência (IBDD) intensificar sua programação de cursos de capacitação e processos de encaminhamento profissional. A instituição conta com 40 mil currículos cadastrados, sendo um quarto de candidatos com nível superior. Mas nem o volume de pessoas bem preparadas à disposição no mercado tem estimulado as empresas a cumprir a cota.
- O mercado já teve bastante tempo para se ajustar. E é claro que a lei nos fez sair do zero para alguma coisa. Mas ainda temos um longo caminho a percorrer. A resistência das organizações ainda é grande e a fiscalização ineficiente - diz Teresa Costa d'Amaral, superintendente do IBDD.
Neusa Nascimento, diretora da Simetria RH - que desenvolve programas de contratação desse público - afirma que, com o aquecimento do mercado, o profissional que se sente discriminado (seja por questões salariais ou relacionadas à carreira) não hesita mais em buscar outras oportunidades.
- Por não investirem num mapeamento funcional de sua estrutura, muitas empresas não enxergam possibilidades de contratação além das funções operacionais. O resultado é que elas acabam perdendo talentos para o mercado - diz.
No caso da Unimed-Rio, o problema está longe de ser rotatividade: o difícil é cumprir a cota. Com 1,8 mil funcionários, seu quadro deveria ter 90 pessoas com deficiência, mas só 30 estão contratadas. Segundo Cláudia Maltese, gerente da área de Gestão de Pessoas, a saída para acelerar o processo de admissão é investir em um programa especial de recrutamento. Criado em 2009, o projeto "Trainees especiais" abrirá, em breve, mais 15 vagas:
- Selecionamos candidatos com ensino médio para trabalhar em diversas áreas, tendo como suporte um programa de formação técnica e comportamental com mais de 370 horas. Há treinamentos sobre empreendedorismo, mercado de trabalho, sustentabilidade e informática. Também nos preocupamos com a sensibilização de outros funcionários para facilitar a adaptação desse grupo.
Leia a reportagem na íntegra no Globo Digital (versão exclusiva para assinantes).
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