sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Regras para as ONGs mudam e trazem mais transparência e menos burocracia

Representantes das entidades elogiam mudanças, mas reclamam da falta de informação na certificação. Para tentar moralizar o setor, medidas incluem transparência nos processos e menos burocracia no cancelamento em caso de irregularidades

Três meses depois da regulamentação da lei que disciplina, de forma mais clara e com mais rigor, a atuação e o processo de cadastro das entidades filantrópicas perante o governo federal, ainda pairam dúvidas entre as instituições a respeito das novas regras. Agora, as organizações do chamado terceiro setor têm de cumprir uma lista mais exigente para conseguir o registro obrigatório de isenção fiscal (leia quadro ao lado). As instituições com a Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social (Cebas) realizam trabalhos nas áreas de saúde, educação e assistência social e fazem parte das mais de 300 mil organizações não governamentais que atuam no país.

“Finalmente, temos uma legislação que acaba com a colcha de retalhos que vinha desde 1959, por meio de decretos, resoluções e leis. Claro que ainda deverá haver adaptação, pois não há total segurança jurídica. Mas, no geral, as entidades terão de conhecer a nova regulamentação para se capacitarem”, diz Nicole Hoedemaker, assessora jurídica da Associação Paulista de Fundações (APF).

Agora, os ministérios da Saúde, da Educação e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, responsáveis pela concessão das certificações, têm até 180 dias para analisarem a documentação apresentada pelas instituições. Todo o processo administrativo de seleção deverá estar disponível nos sites dos órgãos federais para consulta pública, o que antes não era exigido. As entidades de assistência social cadastradas no Ministério do Desenvolvimento Social também terão de oferecer gratuitamente os serviços prestados. Até novembro de 2009, nem todas as organizações dos três segmentos eram obrigadas a conceder o benefício de 100%.

Na avaliação da coordenadora-geral de certificação das entidades beneficentes de assistência social do ministério, Edna Alegro, a nova lei simplificou o processo de cadastramento. “Hoje, as instituições estão protocolando mais pedidos do que a média histórica verificada antes da lei. Além disso, qualquer pessoa pode entrar no site e acessar informações a respeito das concessões. A nova regulamentação torna mais clara a obrigação de cada um e é uma ótima iniciativa”, avalia.

As entidades do setor educacional devem aplicar pelo menos 20% da receita anual em bolsas de estudo, enquanto na área de saúde, no mínimo, 60% dos atendimentos das instituições conveniadas devem ser realizados via Sistema Único de Saúde (SUS). “Atualmente, 70% dos procedimentos feitos pelo SUS são realizados por meio de entidades filantrópicas. A sociedade precisa saber que essas organizações estão fazendo um bom serviço. Evidentemente que, como em qualquer área, tem gente boa e ruim trabalhando”, afirma. De acordo com a Associação Paulista de Fundações, no total, o segmento emprega mais de 1 milhão de pessoas e representa 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB).

A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), uma das mais conhecidas do país, promove a educação profissional e o encaminhamento de pessoas com deficiências intelectual e múltipla ao mercado de trabalho. No Distrito Federal, a organização trabalha com 620 jovens. “Os alunos são extremamente dedicados e não gostam de faltar”, diz o professor de informática Júnior Gonçalves.

Na opinião da presidente da Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (Abrace), Ilda Peliz, a dúvida agora é saber onde a instituição irá pleitear o seu certificado. “Como nós trabalhamos com saúde e assistência social, iremos avaliar em qual ministério teremos de apresentar nosso pedido. Porém, no geral, a lei vai moralizar o processo de registro de filantropia, ao dar mais transparência às ações”, acredita.

Para discutir como as entidades do terceiro setor podem sobreviver sem necessariamente receber apenas recursos públicos e como funciona a filantropia no resto do mundo, a Associação Paulista de Fundações (APF) realiza em São Paulo, hoje, evento que reunirá gestores e empresários das fundações brasileiras e do exterior. “A ideia é cada vez mais disseminar o conceito de que isso nao é apenas um mundinho de caridade e que só depende do governo para viver. Temos que acreditar que há muitas fontes de obtenção de recursos”, afirma Nicole Hoedemaker, da APF.

Sem fins lucrativos
O terceiro setor é constituído por organizações sem fins lucrativos e não governamentais que têm como objetivo gerar serviços de caráter público. Essas entidades ajudam o Estado nas questões sociais. Hoje, há cerca de 300 mil ONGs em todo o país.
» Palavra de especialista
Apoio, mas com ressalvas
Sou descrente em relação às entidades do terceiro setor. Não podemos generalizar, claro. O Estado não consegue fazer tudo sozinho. Só que as entidades intituladas “não governamentais” recebem apenas dinheiro público. Era preciso que tivessem outras fontes de recursos, da iniciativa privada ou até de outros países.

Outro problema é que não se pode privilegiar sempre as mesmas entidades. Na área de agricultura familiar, por exemplo, há algumas prestando serviços há mais de 15 anos. E outra: o servidor público está sujeito a um processo administrativo, mas e o funcionário da ONG, responde pelo quê?

Além disso, em muitas dessas instituições, as pessoas já foram do Estado e conhecem o caminho. Sou favorável à atuação dessas instituições, mas o controle tem de ser rígido e tem de haver mais serenidade no processo de contratação.

» Tania Montoro é professora da faculdade de comunicação da UnB com mestrado em comunicação e mobilização social

Antes
  • As entidades beneficentes que queriam certificação para isenção fiscal precisavam obter registro no Conselho Nacional de Assistência Social, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Social (MDS)Entidades beneficentes não eram obrigadas a dar gratuidade total dos serviços oferecidos
  • Não havia prazo para os ministérios analisarem a documentação apresentada pelas entidades para emitir a certificação de isenção fiscal
  • Os ministérios não eram obrigados a divulgar o processo administrativo de certificação nas suas páginas na internet, o que dificultava o controle
  • Para cancelamento da isenção, havia a necessidade de um procedimento administrativo chamado ato cancelatório de isenção
  • A lei exigia que as entidades beneficentes que queriam certificação deviam ter, no mínimo, três anos de constituição

Agora
  • As entidades beneficentes não precisam mais ter o registro no Conselho Nacional de Assistência Social para terem isenção fiscal. Basta a certificação do ministério de sua área de atuação. A entidade que atue em mais de uma área deverá requerer a certificação e renovação no ministério responsável pela área de atuação preponderante
  • Entidades que prestam serviços ou realizam ações exclusivamente assistenciais cadastradas no MDS são obrigadas a oferecer serviços 100% gratuitos aos beneficiários
  • Os ministérios têm até 180 dias para analisarem a documentação das entidades para conceder registros
  • Os ministérios são obrigados a disponibilizar todo o processo administrativo de certificação em seus sites, “devendo permitir à sociedade o acompanhamento pela internet”
  • A autoridade competente para a certificação determinará o seu cancelamento, a qualquer tempo, caso seja constatado o descumprimento dos requisitos necessários à sua obtenção
  • A lei exige o período mínimo de 12 meses de constituição da entidade para que seja possível pleitear a certificação

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