Estimulada pelos pais Waldir e Gina, Ana Carolina venceu as limitações da Síndrome de Down e é uma pedagoga com pós graduação
A mãe bateu na porta com delicadeza, mas queria explodir de tanta felicidade. Ouviu a médica pedir que ela entrasse e deu apenas um passo à frente, como quem prepara uma surpresa.
— Oi, doutora! —, cumprimentou, sendo ultrapassada por uma figurinha de poucos centímetros de altura, franzina, de vestido florido e chuquinhas no cabelo.
Ana Carolina Fruit entrou na sala como um meteoro, andando rapidamente, com o corpo dando os primeiros sinais de equilíbrio.
— A senhora não falou que ela demoraria a andar? —, questionou Gina, a mãe mais orgulhosa do mundo.
— Pois então, aí está o resultado —, concluiu.
Gina lembra da fisionomia de espanto da médica que frustrou boa parte dos seus planos quando examinou Ana, portadora da síndrome de Down.
Disse que o bebê demoraria a falar, a andar, a fazer suas coisas sozinhas. Antes, ouviu, ainda na maternidade, que a filha seria uma sucessão de fracassos. Quem inventou essa palavra jamais deveria direcioná-la para uma mãe de primeira viagem.
Com um ano e um mês, Ana deu os primeiros passos. Falou pouco tempo depois. Aos oito, entrou na primeira série. Aos 25, formou-se pedagoga. Aos 29, concluiu um curso de especialização. Tudo exatamente como nos sonhos de Gina e Waldir, campeões na arte de não desistir.
Nenhum superlativo é capaz de definir o tamanho do amor desses pais. Amam um ao outro. Amam as duas filhas, sem qualquer tipo de distinção ou medida. A mais velha, Ana, está no centro das melhores histórias que eles conseguem contar. E repetir, milhares e milhares de vezes, sempre que alguém precisa ouvi-la.
Era 12 de outubro de 1981 quando Ana chegou. O diagnóstico de síndrome de Down deixou os pais atordoados, sem saber o que fazer.
— Levou um tempo para o chão voltar. Mas tínhamos duas opções: ou nos entregávamos ou íamos a luta. Ficamos com a segunda —, conta Waldir.
A palavra que lhes daria absoluta certeza de que a criança tinha uma alteração na estrutura genética era totalmente desconhecida para o casal: cariótipo. O exame, uma espécie de fotografia dos cromossomos que confirma a síndrome, foi feito em Curitiba, onde encontraram o primeiro anjo da guarda, dos tantos que viriam a cruzar os seus caminhos.
— Se vocês não quiserem uma situação deplorável para a filha de vocês, comecem imediatamente a estimulá-la —, disse o doutor Marçalo, como em uma sentença que ficaria marcada para sempre no destino dos três.
UMA CASA MÁGICA
— Doutor Marçalo era um anjo, uma pessoa suave. Era bom estar perto dele e sentir aquela leveza toda —, lembra Waldir.
E foi ele quem deu as primeiras dicas para o tratamento de Ana Carolina, ainda um bebê. Transforme sua casa num ambiente neurotizante. Invista em luz, em cor, em som, em barulho. Pau que nasce torto não precisa morrer torto, ensinou.
A frase não ofendeu Gina. Muito pelo contrário. Serviu como estímulo, como mola para um pulo ainda mais alto. Não escondam a menina. Não deixem ela num cantinho, como se fosse quebrar. Ela precisa conviver com outras pessoas. As dicas do médico não paravam um segundo sequer de ressoar na cabeça dos pais.
— A casa era cheia de balões, de brinquedos estimulantes, de cores. Parecia um parque de diversões. Com um ano e um mês, ela andou —, recorda o pai.
O gesto impulsivo de Gina de levar a menina para mostrar para a médica era movido por uma certeza: não há batalha que não possa ser vencida. E essa era apenas a primeira vitória de um casal que, dali para frente, dificilmente teria motivos para chorar.
UM PROGRAMA "DE EXÉRCITO"
Ana Carolina empacou no meio do trajeto que cumpria todos os dias na Expoville. Não queria mais andar. Teimosa, cruzou os braços e olhou para a mãe com um quê de revolta.
— Por que a Sally pode fazer só o que ela quer e eu tenho que fazer o que vocês mandam?
Gina tomou para si a missão de explicar.
— Filha, você tem que correr assim com a mamãe porque você nasceu com um probleminha. Isso vai ser bom para o seu futuro.
Um ano antes, Gina e Waldir deram início a um intenso programa de estimulação, que previa atividades diárias, tanto de sensibilização muscular, como neurológica. O "Método Veras" era uma criação do médico carioca José Carlos Veras, que liderou o tratamento.
Antes do nascimento de Ana, os pais adotavam uma rotina de atividade física. Ela era professora de educação física. Ele era oficial de Exército. A menina teria motivos de sobra para não ficar parada.
Hoje, Waldir circula com uma das cartilhas com números e de instruções nas mãos, como um troféu.
— Eles davam exercícios a mais. Nós não sabíamos disso e fazíamos tudo, até o fim. Era exaustivo, mas valia a pena.
MAIS VITÓRIAS PARA A FAMÍLIA
A alta que a família tanto esperava não foi a última vitória de Ana. Em 2003, ela decidiu fazer vestibular para pedagogia. Passou na primeira tentativa. Dos 131 candidatos, ficou em 62º lugar. Mais um ponto para ela.
— Eu passei o verão estudando, enquanto minha mãe e minha irmã iam a praia se divertir —, brinca.
Entrou para aprender, mas também para ensinar.
— Numa aula sobre educação inclusiva, a professora não sabia que tinha uma aluna especial na turma.
A formatura foi em 2006, com toda a pompa que a circunstância exigia. Vestido verde, longo. Maquiagem e cabelo impecáveis. Álbum de fotos com todos os parentes reunidos. Champagne na hora do brinde. Surpresa.
— Foi emocionante quando me anunciaram como a amiga da turma. Eu não esperava a homenagem.
Depois da formatura, ainda veio a especialização, que ela concluiu no ano passado.
— Todos nós temos faculdade, mas nenhum fez pós. Ela deixou todo mundo para trás —, conta a mãe.
A outra vitória veio com o primeiro emprego, na Câmara dos Vereadores. Hoje ela está no segundo, na Embraco.
Ana mora com os pais, mas é independente. Anda de ônibus sozinha. Para o espanto de muitos, escolhe as próprias roupas. Ressente-se da falta do brinco esquecido, que a deixaria mais bonita na foto. Ela é vaidosa e linda. Sorri de verdade, não para fazer pose.
Por onde Ana Carolina andou, muitos duvidaram da doença. Até mesmo alguns médicos custaram a acreditar na síndrome de Down. Os pais vibraram com cada conquista e não derramaram sequer uma lágrima de desânimo. Hoje são cheios de orgulho de uma história que deu certo porque teve amor, paciência e cuidado. A resposta de toda essa soma não poderia ser outra.
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/
A mãe bateu na porta com delicadeza, mas queria explodir de tanta felicidade. Ouviu a médica pedir que ela entrasse e deu apenas um passo à frente, como quem prepara uma surpresa.
— Oi, doutora! —, cumprimentou, sendo ultrapassada por uma figurinha de poucos centímetros de altura, franzina, de vestido florido e chuquinhas no cabelo.
Ana Carolina Fruit entrou na sala como um meteoro, andando rapidamente, com o corpo dando os primeiros sinais de equilíbrio.
— A senhora não falou que ela demoraria a andar? —, questionou Gina, a mãe mais orgulhosa do mundo.
— Pois então, aí está o resultado —, concluiu.
Gina lembra da fisionomia de espanto da médica que frustrou boa parte dos seus planos quando examinou Ana, portadora da síndrome de Down.
Disse que o bebê demoraria a falar, a andar, a fazer suas coisas sozinhas. Antes, ouviu, ainda na maternidade, que a filha seria uma sucessão de fracassos. Quem inventou essa palavra jamais deveria direcioná-la para uma mãe de primeira viagem.
Com um ano e um mês, Ana deu os primeiros passos. Falou pouco tempo depois. Aos oito, entrou na primeira série. Aos 25, formou-se pedagoga. Aos 29, concluiu um curso de especialização. Tudo exatamente como nos sonhos de Gina e Waldir, campeões na arte de não desistir.
Nenhum superlativo é capaz de definir o tamanho do amor desses pais. Amam um ao outro. Amam as duas filhas, sem qualquer tipo de distinção ou medida. A mais velha, Ana, está no centro das melhores histórias que eles conseguem contar. E repetir, milhares e milhares de vezes, sempre que alguém precisa ouvi-la.
Era 12 de outubro de 1981 quando Ana chegou. O diagnóstico de síndrome de Down deixou os pais atordoados, sem saber o que fazer.
— Levou um tempo para o chão voltar. Mas tínhamos duas opções: ou nos entregávamos ou íamos a luta. Ficamos com a segunda —, conta Waldir.
A palavra que lhes daria absoluta certeza de que a criança tinha uma alteração na estrutura genética era totalmente desconhecida para o casal: cariótipo. O exame, uma espécie de fotografia dos cromossomos que confirma a síndrome, foi feito em Curitiba, onde encontraram o primeiro anjo da guarda, dos tantos que viriam a cruzar os seus caminhos.
— Se vocês não quiserem uma situação deplorável para a filha de vocês, comecem imediatamente a estimulá-la —, disse o doutor Marçalo, como em uma sentença que ficaria marcada para sempre no destino dos três.
UMA CASA MÁGICA
— Doutor Marçalo era um anjo, uma pessoa suave. Era bom estar perto dele e sentir aquela leveza toda —, lembra Waldir.
E foi ele quem deu as primeiras dicas para o tratamento de Ana Carolina, ainda um bebê. Transforme sua casa num ambiente neurotizante. Invista em luz, em cor, em som, em barulho. Pau que nasce torto não precisa morrer torto, ensinou.
A frase não ofendeu Gina. Muito pelo contrário. Serviu como estímulo, como mola para um pulo ainda mais alto. Não escondam a menina. Não deixem ela num cantinho, como se fosse quebrar. Ela precisa conviver com outras pessoas. As dicas do médico não paravam um segundo sequer de ressoar na cabeça dos pais.
— A casa era cheia de balões, de brinquedos estimulantes, de cores. Parecia um parque de diversões. Com um ano e um mês, ela andou —, recorda o pai.
O gesto impulsivo de Gina de levar a menina para mostrar para a médica era movido por uma certeza: não há batalha que não possa ser vencida. E essa era apenas a primeira vitória de um casal que, dali para frente, dificilmente teria motivos para chorar.
UM PROGRAMA "DE EXÉRCITO"
Ana Carolina empacou no meio do trajeto que cumpria todos os dias na Expoville. Não queria mais andar. Teimosa, cruzou os braços e olhou para a mãe com um quê de revolta.
— Por que a Sally pode fazer só o que ela quer e eu tenho que fazer o que vocês mandam?
Gina tomou para si a missão de explicar.
— Filha, você tem que correr assim com a mamãe porque você nasceu com um probleminha. Isso vai ser bom para o seu futuro.
Um ano antes, Gina e Waldir deram início a um intenso programa de estimulação, que previa atividades diárias, tanto de sensibilização muscular, como neurológica. O "Método Veras" era uma criação do médico carioca José Carlos Veras, que liderou o tratamento.
Antes do nascimento de Ana, os pais adotavam uma rotina de atividade física. Ela era professora de educação física. Ele era oficial de Exército. A menina teria motivos de sobra para não ficar parada.
Hoje, Waldir circula com uma das cartilhas com números e de instruções nas mãos, como um troféu.
— Eles davam exercícios a mais. Nós não sabíamos disso e fazíamos tudo, até o fim. Era exaustivo, mas valia a pena.
MAIS VITÓRIAS PARA A FAMÍLIA
A alta que a família tanto esperava não foi a última vitória de Ana. Em 2003, ela decidiu fazer vestibular para pedagogia. Passou na primeira tentativa. Dos 131 candidatos, ficou em 62º lugar. Mais um ponto para ela.
— Eu passei o verão estudando, enquanto minha mãe e minha irmã iam a praia se divertir —, brinca.
Entrou para aprender, mas também para ensinar.
— Numa aula sobre educação inclusiva, a professora não sabia que tinha uma aluna especial na turma.
A formatura foi em 2006, com toda a pompa que a circunstância exigia. Vestido verde, longo. Maquiagem e cabelo impecáveis. Álbum de fotos com todos os parentes reunidos. Champagne na hora do brinde. Surpresa.
— Foi emocionante quando me anunciaram como a amiga da turma. Eu não esperava a homenagem.
Depois da formatura, ainda veio a especialização, que ela concluiu no ano passado.
— Todos nós temos faculdade, mas nenhum fez pós. Ela deixou todo mundo para trás —, conta a mãe.
A outra vitória veio com o primeiro emprego, na Câmara dos Vereadores. Hoje ela está no segundo, na Embraco.
Ana mora com os pais, mas é independente. Anda de ônibus sozinha. Para o espanto de muitos, escolhe as próprias roupas. Ressente-se da falta do brinco esquecido, que a deixaria mais bonita na foto. Ela é vaidosa e linda. Sorri de verdade, não para fazer pose.
Por onde Ana Carolina andou, muitos duvidaram da doença. Até mesmo alguns médicos custaram a acreditar na síndrome de Down. Os pais vibraram com cada conquista e não derramaram sequer uma lágrima de desânimo. Hoje são cheios de orgulho de uma história que deu certo porque teve amor, paciência e cuidado. A resposta de toda essa soma não poderia ser outra.
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/
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