Todos passamos por experiências transformadoras, momentos que imprimem uma nova forma de encararmos a vida. Em geral, essas “epifanias” são tão individuais que demoramos um tempo para falar com outras pessoas sobre o que vivenciamos. Mas, o que dizer sobre uma experiência transformadora coletiva? Em outubro deste ano, coordenei o painel “Atendendo clientes especiais” no MultiRetail – Encontro Internacional do Varejo, em São Paulo, no qual pude detalhar um projeto de inclusão profissional de pessoas portadoras de deficiência e debater os entraves do atendimento a clientes com esse perfil.
Entre os convidados, contei com a participação do advogado Daniel Monteiro – um dos profissionais da Secretaria da Pessoa com Deficiência – que, acompanhado do labrador Mac, subiu ao palco para falar sobre os desafios enfrentados pelos deficientes visuais. Nesses minutos em que Daniel fez o trajeto em direção ao palco, pude ouvir a alteração na respiração das pessoas. Por um segundo, imaginei que os presentes se perguntavam como um cego pôde vencer as limitações e se tornar advogado. Tive que quebrar o silêncio, dizendo que as pessoas poderiam aplaudir; aplaudir não apenas um palestrante, mas um exemplo de superação e cidadania.
No Dia Internacional das Pessoas Portadoras de Deficiência – véspera do World Bike Tour, em São Paulo – essa história voltou à minha memória com uma nova indagação. Por que, em pleno século 21, os portadores de deficiência causam espanto quando aparecem em uma posição de destaque na sociedade? Por que pouca gente sabe, inclusive empresários, que há um enorme contingente de portadores de deficiência economicamente ativos? Pergunto porque dados estatísticos ilustram essa importante participação na economia brasileira, resultado da inserção profissional de pessoas portadoras de deficiência.
As estatísticas têm mostrado que investir em acessibilidade pode ser mais do que um ato de cidadania e de responsabilidade social. Esse investimento pode se tornar um excelente negócio; um investimento em sustentabilidade. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou, no Censo 2000, que o Brasil possui um contingente de 14,5% da população com algum tipo de deficiência, ou seja, um universo de 24,5 milhões de pessoas com um potencial de consumo estimado em R$ 5 bilhões. Ao analisarmos os dados globais encontramos estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) que apontam que 10% da população mundial é portadora de deficiência – algo em torno de 610 milhões de pessoas, sendo que 386 milhões são economicamente ativas.
Diante desse cenário, será que as marcas e as empresas brasileiras estão preparadas para atender com qualidade o consumidor portador de deficiência? Quais as barreiras e erros mais frequentes? A resposta é um sonoro não! Mas, a boa notícia é que inúmeras empresas estão interessadas em saber onde erram e quais são as alternativas para iniciar um projeto de acessibilidade, de inclusão social. Entre os erros mais frequentes – detectados pela equipe de “clientes secretos” da Shopper Experience – começo citanto as barreiras físicas, porque são as que tangibilizam e ilustram o quanto a sociedade brasileira está despreparada para incorporar a inclusão de portadores de deficiência no cotidiano. Portas estreitas, correntes protegendo as vagas destinadas a cadeirantes, acessos não sinalizados para deficientes visuais e equipamentos de autoatendimento em alturas incompatíveis com cadeirantes são alguns dos erros estruturais mais comuns.
Os “clientes secretos” da Shopper Experience – pessoas com deficiência que integram projeto de inclusão profissional e atuam como pesquisadores responsáveis pelo atendimento a clientes de empresas de vários segmentos – citam, ainda, as barreiras emocionais e comportamentais. Em geral, profissionais do varejo, serviços financeiros e órgãos públicos não receberam treinamento adequado para lidar corretamente com o atendimento. Há casos de total ignorância que geram comportamentos como:
- o atendente grita com o deficiente visual. A questão é que ele não enxerga, mas ouve muito bem;
- em um restaurante, o garçon pergunta ao acompanhante de um cadeirante qual é o pedido; o que o cadeirante gostaria de comer. Ou seja, “imbecializam” a pessoa com deficiência, tratando-a como um ser incapaz de tomar decisões;
- o atendente recebe o cadeirante, auxilia-o a entrar em determinado local, mas o abandona. Ou seja, não prossegue no atendimento por motivos inexplicáveis;
- o atendente pergunta ao cadeirante se não gostaria de ir ao provador, embora a loja não tenha um provedor adaptado;
- o atendente não pergunta ao deficiente visual a cor que prefere, porque acha que tanto faz;
- p atendente fala muito rápido com o deficiente o auditivo, impossibilitando a leitura de lábios;
- o atendente leva o cadeirante até o banheiro e acende a luz;
- o atendente, ao recepcionar um deficiente visual com cão-guia, começa a brincar, distraindo o cachorro. Nunca se deve brincar com cães-guias quando os animais estiverem trabalhando;
- o atendente que segura no braço do deficiente visual para guiá-lo; prática que tira o equilíbrio. O correto é oferecer o braço para que o deficiente visual segure.
Outros casos de despreparo são protagonizados pelo que costumo chamar de “deficientes sociais”, ou seja, pessoas que têm a coragem de parar em vagas exclusivas para cadeirantes e idosos; um tipo de ser humano que trata as pessoas com deficiência física como cidadãos de segunda categoria. Essas pessoas têm que ser reeducadas; passar por um processo de humanização social.
Em suma, a inclusão é uma cruzada que deve envolver todos os níveis da sociedade em torno de uma aliança firme, que trate a questão com a seriedade que merece.
Fonte: responsabilidadesocial.com
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